Criar memórias através da dança
September 01, 2015 12:18:54
Artes Performativas
2015.09.01 ponto final
A bailarina Candy Kuok usa lugares especiais para as suas coreografias de forma a aumentar consciência pública para a preservação, combinando movimentos belos com a importância da memória.
Wendi Song*
Quem cresceu em Macau tem certamente memórias dos blocos de apartamentos onde passou a sua infância. Essas memórias ligam as pessoas às ruas onde viveram grande parte da vida e que hoje se tornam tesouros preciosos da cidade.
Com o crescimento e a expansão do território algumas dessas recordações estão perdidas e silenciadas, enfraquecendo a relação das pessoas com a terra.
Felizmente, ainda há algumas pessoas que não se perderam no crescimento explosivo da economia e que têm tentado manter a cultura do seu bairro intacta. Uma dessas pessoas é Candy Kuok.
Com formação inicial em ballet clássico, apaixonou-se mais tarde pela dança moderna à qual se dedicou. Bailarina e coreógrafa em Macau, Kuok é também fundadora da associação Soda City Experimental Workshop.
Viajou pelo mundo para frequentar várias formações e desenvolver técnicas de dança contemporânea, chegando a ser uma das candidatas nomeadas para o programa de bolsas da UNESCO atribuídas pelo Governo de Macau.
No seu currículo conta já com os trabalhos desenvolvidos para o Festival de Artes de Macau, o Festival Fringe, o Festival de Dança Juvenil de Macau e uma série de espectáculos de teatro promovidos pelo Armazém do Boi.
Nos últimos anos, Candy Kuok tem vindo a dedicar-se a números de dança contemporânea com o objectivo de sensibilizar os cidadãos de Macau para a preservação da paisagem local.
A ideia surgiu em 2010, altura em que foi assinado o acordo de cooperação dos novos aterros urbanos.
“O mar para o qual a estátua da Pérola Oriental está virada [na rotunda com o mesmo nome na Areia Preta] será transformado numa ilha artificial. Nunca mais teremos em Macau uma área tão grande de orla costeira e a paisagem irá mudar. Senti que tinha de fazer alguma coisa antes que estes lugares se tornem apenas memória”, conta Kuok.
O seu primeiro trabalho de conservação urbana através da dança chamado “Memória” teve lugar precisamente junto à estátua da Pérola Oriental na edição de 2010 do festival de rua Fringe.
Um ano depois, em 2011, foi oferecida à Soda-City a possibilidade de levar o espectáculo para dentro de portas, oportunidade que Candy Kuok aproveitou para melhorar a performance e criar “Memory Blueprint”, usando a dança para desenhar o diagrama da memória da cidade.
Quando o espectáculo terminou, a bailarina não conseguiu parar de pensar na cidade. Foi então que decidiu coreografar a segunda versão de “Memory Blueprint” que apresentou no passado mês Maio por ocasião do 26.º Festival de Artes de Macau.
A coreografia foi o resultado de um trabalho de cinco anos e que foi recebido entusiasticamente pelo público, chegando a receber convites para ser exibida em Portugal, actuação agendada para o próximo mês de Outubro.
Em 2013, a bailarina começou em simultâneo o “OFFSITE”, um projecto cujas danças são realizadas em locais com características especiais: Candy e outros dez dançarinos escolheram lugares com os quais tinham alguma ligação com os velhos bairros da cidade como a Rua dos Ervanários, onde por 15 minutos a dança, a cultura e a memória se fundiam.
Já em 2014, a jovem decidiu alargar o programa da Soda-City para além das actuações do seu grupo convidando o coreógrafo dinamarquês Kitt Johnson a dar alguns seminários abertos ao público e cujos resultados finais serão apresentados em Novembro.
O projecto OFFSITE tenta oferecer uma outra forma de olhar para a cidade onde vivemos, usando a dança para estabelecer um diálogo com a cidade de forma a que os cidadãos não esqueçam o passado.
Quanto ao futuro, Candy Kuok diz que tudo depende do apoio do Governo, mas, recorda a célebre frase da coreógrafa Pina Bausch: “Não estou interessada na forma como as pessoas se movem, mas o que as move.”
Pois a verdade é que, para a bailarina de Macau, não interessa a forma como se move, mas sim é o amor profundo que tem por Macau que a faz mover.