Destaque

Blanc Art: espero que os artistas compreendam o valor de uma galeria

01/04/2021

Texto/Sara Lo
Fotos/Cora Si, fornecidas por entrevistados 

 

A compra e a colecção de arte sempre foram um exclusivo de um pequeno grupo de pessoas. O preço altíssimo pode até impedir os amantes de arte de comprarem uma peça de que gostam muito. É, sem dúvida, necessário um processo de desenvolvimento para converter a cultura em indústria cultural e as obras artísticas de alta qualidade em produtos que o público tenha vontade de comprar. Segundo a definição do governo, a colecção de obras artísticas, que engloba a criação e a venda de fotografias, é uma das quatro áreas das indústrias culturais. De acordo com a Estatística das Indústrias Culturais de 2019 , divulgada pela Direcção dos Serviços de Estatística e Censos, estavam em actividade 23 organismos que se dedicaram à criação, à venda e ao leilão de obras de arte. As receitas dos serviços cifraram-se em 17,20 milhões de patacas, 25,8% das quais eram comissões recebidas pela prestação de serviços dos leilões. Mas, obviamente, estes números impressionantes e as opiniões de alguns profissionais de arte ainda estão longe da realidade. 

 

Como a venda tradicional não corria muito bem, um novo caminho foi aberto com o passar do tempo, levando a uma nova imagem. Obras pequenas mas lindas tornaram-se no alvo da compra do público. Ao mesmo tempo, não limitado às galerias e aos leilões, o meio de venda escolhido por cada vez mais pessoas estende-se ao online. Esperamos que a reportagem desta edição da Destaque, que conta com a entrevista de representantes de várias entidades, vos possa oferecer mais pontos de vista sobre o valor e a possibilidade de negócios de arte.

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A Galeria Blanc Art foi fundada em 2013 e, na altura, o ambiente do comércio de arte era “tal como o nosso nome; toda a indústria parecia uma tábua em branco.” Emilia Tang é a Directora Executiva da Galeria Blanc Art e, regressada de Londres a Macau com grande paixão e conhecimento da arte e do coleccionismo, decidiu explorar esta área, mesmo sendo um deserto no mercado. Quase dez anos mais tarde, o ambiente ecológico desse deserto ter-se-á tornado um pouco mais verde? E acrescenta ainda: “No passado, quando falávamos do comércio ou do mercado das obras de arte, ninguém sabia o que era. Todavia, actualmente, quando as pessoas ouvem falar disso, mesmo que não comprem as obras, sabem do que se trata e têm conhecimento básico do valor dos leilões, dos artistas e das obras de arte.”

 

No pequeno espaço de exposição fora do escritório da Blanc Art em N.A.P.E, a existência de obras artísticas provoca um forte contraste entre a escada fria e o corredor.    Foto/ Cora Si
No pequeno espaço de exposição fora do escritório da Blanc Art em N.A.P.E, a existência de obras artísticas provoca um forte contraste entre a escada fria e o corredor. Foto/ Cora Si

 

Por detrás deste conhecimento, Emilia descobriu o que interessava a muitas pessoas. Em primeiro lugar, é o preço da obra de arte, não é o artista ou a obra em si. Perguntas como “porque é que o desenho da abóbora de Yayoi Kusama é tão caro?” aparecem frequentemente no início de muitas conversas. Enquanto galeria comercial, a sua maior função é comercializar as obras de arte e criar um mercado. Porém, quando se trata do facto de que não existe tal mercado em Macau, ela ri-se, dizendo que muitas vezes trabalha a tempo parcial como educadora de coleccionadores, porque só aqueles que sabem como apreciar as obras de arte, é que compram e coleccionam. E refere: “Em termos de população, não há escassez de artistas em Macau, mas apenas de pessoas que apreciem as obras de arte.” Quer seja num local de exposição privada ou oficial, Macau tem exposições ao longo de todas as estações. Contudo, o escasso número de visitantes e os preços de entrada baixos ou mesmo gratuitos tornaram, aos olhos do público, o valor das exposições muito fraco. Pelo contrário, tanto no Interior da China como no estrangeiro, quando se trata de exposições atractivas, mesmo os bilhetes de centenas de RMBs são difíceis de obter, e as longas filas à porta não são invulgares. É raro isto acontecer em Macau. Emilia acredita que isto se deve ao facto de o mercado não estar, de todo, estabelecido, e deu a sua explicação: “Quando falamos sobre o mercado, estamos a falar de negócio. Antes de investirem numa exposição de grande escala, onde lhes seria possível receber 300 RMBs ou mais por entrada, os investidores têm de analisar o seu potencial. Mas, em Macau, a maioria das exposições são subsidiadas, pelo que as pessoas fazem tantas exposições quantos os recursos de apoio existentes o permitam. Isto não quer dizer que este facto seja bom ou mau, mas é difícil mudar esta situação num ciclo deste tipo, por isso, só haverá avanço quando houver um mercado de arte para as apoiar.” Em primeiro lugar, deve haver um mercado que possa gerar dinheiro e recursos para sustentar os trabalhadores de arte. E só depois de a cadeia da indústria estar estabelecida é que os artistas e curadores podem ser apoiados. A situação actual é que as obras estão como que presas neste meio e não conseguem ser vendidas, pelo que os artistas precisam de ter outros negócios paralelos a fim de ganharem a vida. Enquanto parte importante do mercado comercial, existe apenas um número reduzido de galerias em Macau. Nos últimos anos, embora tenha inicialmente havido uma procura de obras de arte por pessoas ricas, estas estão mais habituadas a procurar obras de artistas famosos vindos de fora de Macau do que dos locais.

 

Emilia expressa que há mais pessoas locais interessadas em comprar peças artísticas, mas estão mais habituadas a procurar obras de artistas famosos vindos de fora de Macau do que dos locais.    Foto/ Cora Si
Emilia expressa que há mais pessoas locais interessadas em comprar peças artísticas, mas estão mais habituadas a procurar obras de artistas famosos vindos de fora de Macau do que dos locais. Foto/ Cora Si

 

Emilia fala mais do que uma vez sobre as dificuldades da indústria. Os seus esforços são como atirar pedras para a água, incapazes de produzir o resultado desejado, e é também impossível que uma única galeria estabeleça o mercado sozinha. O que a frustra ainda mais é a falta de compreensão por parte de alguns artistas. Algumas associações e alguns artistas pensam que as galerias estão a tentar roubar negócios, e que deveriam ser apenas os próprios artistas a aproximarem-se dos compradores, em vez de lhes ser feito um corte nos lucros pelas galerias. Emilia diz que esta visão é demasiado restrita, porque a galeria está a ajudar os artistas, por normas formais internacionais, a construírem as suas carreiras, promovendo-os ao participarem nas exposições, apresentando-os aos coleccionadores com as suas obras, e criando oportunidades para que mais pessoas os reconheçam. No mercado, a “coexistência” e a “cooperação” são o caminho certo a seguir.

 

A Galeria Blanc Art, enquanto agência de artistas, exibe uma parte das suas obras e usa também a venda online, promovendo assim os artistas por meios diversos.    Foto/ Cora Si
A Galeria Blanc Art, enquanto agência de artistas, exibe uma parte das suas obras e usa também a venda online, promovendo assim os artistas por meios diversos. Foto/ Cora Si

 

Nos últimos anos, surgiu a Affordable Art que defende o preço razoável das obras, com vista a encorajar o público em geral a comprar e coleccionar. Emilia diz que o objectivo da galeria é levar os artistas a um nível mais elevado de coleccionismo, em que as obras são não comparáveis às obras decorativas na habitual Affordable Art Fair. Acredita que, se os artistas se posicionarem como acessíveis e não estiverem dispostos a passar por um processo mais longo por causa do desejo de ganhar rendimento rápido, podem ser capazes de vender muito a curto prazo, mas destruirão a sua carreira a longo prazo. O ciclo de mercado ideal é que cada pessoa se foque na sua própria função; enquanto os artistas se concentram na criação, as galerias desenvolvem o mercado e encontram compradores numa perspectiva comercial, e a associação nutre os jovens artistas com potencial. A fim de se transformar, é certo que haverá contratempos, e o papel do governo durante esse período deve ser o de introduzir políticas apropriadas para que toda a indústria possa avançar para uma situação mais lucrativa.

 

Emilia acredita que o artista e a galeria têm muito em comum, e que será possível romper o impasse actual quando cada função na indústria se focar nos seus respectivos posicionamentos    Foto/ Cora Si
Emilia acredita que o artista e a galeria têm muito em comum, e que será possível romper o impasse actual quando cada função na indústria se focar nos seus respectivos posicionamentos Foto/ Cora Si

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