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Um festival no Clubhouse, perdido há muito

01/03/2021
No evento do Clubhouse chamado “Por que a Arte não Tem Sentido”,  com a presença do artista Ai Weiwei, participei na conversa e discuti a noite inteira com pessoas desconhecidas sobre política, cultura, totalitarismo, entre outros temas contemporâneos. Parecia que tinha chegado à Praça Sintagma da era da internet. Nesse espaço humanista e anti totalitarista, o poder do discurso, que foi sempre assegurado pelas instituições de artes, passa a ser livre. Aí, até o próprio país pode ser o alvo da crítica do artista. Quanto à sua vida na Alemanha como “refugiado cultural”, Ai Weiwei revelou que sentiu a hipocrisia do nacionalismo autoritário quando foi classificado pelas instituições europeias de “herói do humanismo num país que viola os direitos humanos”. Mas o artista não quer simplesmente ser uma decoração na Europa. O seu discurso fez-me pensar que  as pessoas conseguem ganham uma marca indelével da sua cultura, que ao mesmo tempo constitui uma rotulagem, resultando na perda das caraterísticas únicas de cada pessoa. 
 
 
Reconhecendo ou não a cultura do país de imigração, os cidadãos de um país em desenvolvimento que se deslocam para o ocidente partilham uma embaraçosa situação comum: porquê imigrar para aqui? Por que saiu da sua terra, mas ainda conta histórias sobre ela? Trata-se da maneira frequente de as instituições autoritárias e de os críticos começarem uma conversa. São essas perguntas que tornam a identificação cultural numa rotulagem permanente da sua obra. Sem exagero, considero que a função das instituições de artes é, exatamente, fortalecer o estereótipo da identificação cultural na divulgação das obras. Essas instituições têm o poder de um tribunal, ao classificarem determinadas obras como excelentes, tornam-nas no foco da atenção da indústria da arte, enquanto as demais obras serão consideradas algo marginal, sem nenhuma importância, e ignoradas pelo mercado de capital e pelo público. 
 
 
Os artistas enfrentam, todos os dias, o desconforto de não conseguirem receber reacções positivas às suas obras no próprio país, só obtêm um reconhecimento temporário noutras regiões. Outro incómodo parecido diz respeito à nossa identificação cultural, manipulada à vontade e de propósito pelas instituições/autoridades. Mas não somos nós próprios que causamos essa situação? Nós gostamos mais de assistir às obras internacionais do que às nacionais, enquanto que os estrangeiros costumam tratar a nossa obra como um mito oriental ou um espectáculo de circo. Não estou a rebaixar o valor artístico das obras ou a visão internacional dos artistas. Só sublinho a baixa-estima e a arrogância duma nação, observadas nas opções e no julgamento de consumo. A mesma situação acontece também com os jornalistas. Uma reportagem bem trabalhada e de excelência é ignorada ou até banida dentro do próprio país, mas ganha grande e contínua atenção internacionalmente, o que é animador, mas também decepcionante. 
 
 
A “destemporização” e a “despacialização” são a chave para que o Clubhouse se torne num Carnaval com muita atenção sobre si e numa utopia cheia de possibilidades para os sem-abrigo da internet. Retirados os factores geográfico e político do local do evento, os participantes trocam ideias de viva voz, sem julgar a aparência, a pele e demais caraterísticas. É difícil medir a identificação cultural dos oradores num pequeno discurso. Assim, o critério passa a ser o esforço de cada frase em vez da ostentação da identificação. 
 
 
Comparado com actuar em países estrangeiros, prefiro que um dia possa participar num festival de arte sem limite de tempo e espaço, um evento sem considerar o poder, a identidade e a raça, no qual não vou saber com quem estou a conversar, uma vez que todas essas informações são apenas códigos digitais. Então, nascerá uma nova relação entre artistas e espectadores. Tenho esse desejo não porque a nossa identificação não seja digna ou não mereça ser discutida, mas porque quero saber se conseguimos reganhar o respeito de não ser apenas uma decoração sob uma rotulagem indelével.
 
 
Clubhouse oferece um local de concentração e festa para diversas comunidades
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