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Café + vinho + livros =?

01/04/2021

Quando se trata de publicação, as livrarias são um dos principais “campos de batalha” de vendas que não pode ser ignorado. Na última década, para além das mais comuns grandes cadeias de livrarias e das pequenas livrarias independentes, há também editoras que abriram, elas próprias, lojas de experiência físicas com o seu próprio estilo de marca. Estas suas livrarias não só vendem livros como também têm cafés, bares, lojas de produtos culturais e criativos, áreas de intercâmbio cultural, salas de leitura e salas de exposição, entre outras valências. Por vezes, as “personagens secundárias são mais importantes do que as personagens principais” e, neste caso, o café e o vinho são, provavelmente, os principais protagonistas mais até do que os próprios livros, aparecendo frequentemente nos hashtags das redes sociais.

 

As pessoas que gostam de livros riem-se sempre deste fenómeno: “Se quiser comprar um livro, foque-se apenas em comprar o livro. As pessoas que realmente querem comprar livros, estão dispostas a comprar um livro pelo preço de um café. Como é que o café tem assumido tal importância que se destaca, nas livrarias, mais do que os próprios livros?” Esta é uma queixa que ouço frequentemente. Quando nos confrontamos com uma situação tão embaraçosa de alienação da natureza das livrarias, é melhor dar um passo atrás e olhar para o panorama mais geral. Suponhamos que as bebidas nas livrarias são tão cuidadosamente seleccionadas como os livros, sendo igualmente criativas e possuindo um temperamento literário como o próprio livro. E no caso dos clientes frequentes, que não só adoram os livros, como também estão sempre ansiosos por entrar para provar uma bebida, tudo isso não seria uma vantagem para ambas partes? Trazer a nova geração, que já está habituada à leitura electrónica rápida, de volta à leitura em papel, e incentivá-la à criação de café, vinho e conteúdo literário com a mesma paixão, é também uma ideia que vale a pena testar.

 

Em vez de ocupar uma grande parte do texto para falar sobre livrarias famosas como Fang Suo Commune e Zhong Shu Ge, gostaria de falar sobre a Naive, uma livraria que apareceu em Pequim há apenas meio ano. A criação deste tipo de livraria é um passo muito ousado. Sendo a “No. 1 na lista de cafés populares na Rua Dawang”, esta livraria, que é classificada como “a mais artística”, destaca-se das restantes.

 

Fundada em 2010, a Naive, enquanto editora, não é estranha aos amantes de livros, uma vez que muitas livrarias em Hong Kong e Macau vendem livros publicados pela Naive. Em 2015, transformou o seu nome no “VISTOPIA” e entrou no negócio da produção áudio e dos produtos culturais e criativos periféricos. Em Agosto de 2020, sem interromper a expansão do seu plano de desenvolvimento, abriu uma livraria física, que é já um novo local famoso de reunião de multidões, criado em colaboração com o famoso estúdio de design “designRESERVE”. É um café durante o dia, mantendo o seu nome original, e torna-se um bar à noite, designado por Nightingale, em que a secção de livros só vende livros com curadoria da própria Naive. É diferente das livrarias normais da perspectiva da natureza, sendo como que uma extensão offline da marca da editora e uma loja de experiência.

 

Apreciado do exterior o seu design, a livraria Naive é espaçosa e luminosa, o que é único na Rua Dawang. (Foto cedida pelo “designRESERVE”)
Apreciado do exterior o seu design, a livraria Naive é espaçosa e luminosa, o que é único na Rua Dawang. (Foto cedida pelo “designRESERVE”)

 

A palavra naive significa ingénuo, mas também representa uma curiosidade sem fim e uma rejeição da convencionalidade. A livraria é caracterizada pelo seu inconformismo e, por isso, não é, naturalmente, desleixada em relação à sua oferta de café e de vinho. No Natal passado, tive a sorte de provar as novas bebidas, que muito me chamaram a atenção: o café chamado “Fim do Mundo”, nome proveniente do título de um livro de Tang Nuo, é feito a partir de grãos do Panamá. Para aqueles que gostam de café requintado, dá-lhes instantaneamente a sensação de estarem no fim do mundo. A outra bebida chama-se “Amêndoas para Mim”, na qual só o nome já é suficiente para despertar a curiosidade. Na realidade, o nome provém de um pequeno poema relacionado com amêndoas, escrito pelo autor do livro “Cultural Amnesia: Notes in the Margin of My Time”. O barman utiliza uma mistura de amêndoas, flores de damasco e café para criar esta bebida. Sabe um pouco a amargo cruzado com um paladar doce, como se fosse o que experimentamos na vida.

 

E os cocktails do Nightingale são ainda mais criativos! O nome da bebida mais marcante do bar, “Submarino da Noite”, vem de uma colectânea de romances de Chen Chuncheng. A bebida à base de gin é misturada com especiarias tais como a folha de louro e a salva, e depois lentamente destilada através de um alambique de cobre para produzir uma aguardente límpida. O produto acabado é de cor azul escura, porque o barman acrescentou, entretanto, um licor violeta, ecoando a cor melancólica desse azul escuro na capa do livro “Submarino da Noite”. Qualquer pessoa que goste do tom da cor deste livro provavelmente gostará desta bebida!

 

Gosto deste tipo de livraria, pois cada elemento é concebido com muito cuidado e muita criatividade. Não tem os livros mais vendidos, apenas a produção original da própria editora: livro + café + vinho, os três, juntos, tornam-se inseparáveis. Se me perguntarem o resultado desta soma, eu diria que “há mil Hamlets no coração de mil pessoas”, isto é, que varia de pessoa para pessoa. Devido à diversidade e ao desconhecido, os leitores e os clientes podem sempre permanecer naive (ingénuos). Talvez o nome da livraria seja mesmo a melhor resposta.

 

O nome “Amêndoas para Mim” provém de um poema do livro “Cultural Amnesia: Notes in the Margin of My Time” (Foto cedida pela Naive)
O nome “Amêndoas para Mim” provém de um poema do livro “Cultural Amnesia: Notes in the Margin of My Time” (Foto cedida pela Naive)

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