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Operação literária na colaboração de marcas

01/05/2021

Embora a pandemia tenha dificultado as viagens entre territórios, a colaboração de marcas de diferentes sectores ganhou um grande impulso.

 

Para além das notícias diárias sobre as colaborações sem precedentes entre as várias marcas de moda e de luxo, a literatura também se tornou numa alternativa favorita da estratégia de marketing, já que consegue aumentar a exposição das marcas e alargar o público através de colaborações fortes de diferentes sectores. Por exemplo, a Uniqlo, uma marca japonesa de roupas casuais, lançou um novo modelo de roupa em colaboração com o famoso escritor Haruki Murakami, permitindo aos fãs de Murakami vestirem os elementos dos seus romances Norwegian Wood e Kafka à beira-mar, o que gerou uma grande agitação.

 

Uma das operações literárias mais comuns na colaboração de marcas é a associação da poesia ao vinho, criando uma conotação poética da vida quotidiana. Por exemplo, o Museu Nacional de Literatura de Taiwan juntou-se às empresas Tsai’s Actual Brewing e GOODGLAS, sediadas em Tainan, para lançar cervejas artesanais e copos de vidro soprados à mão inspirados na colecção literária do museu, bem como para organizar uma série de actividades de extensão, tais como o “Festival de Cocktail Literário” e o workshop “Banquete Literário”. Além disso, o produto de edição limitada para as celebrações do seu 60º aniversário, lançado em conjunto pela Morinaga, uma empresa de fabrico e venda de doces de leite e de doces em geral, e a revista United Lifestyle, possui também um carácter muito criativo, o de ter sido feito com quatro sabores: tieguanyin (um tipo de chá chinês tradicional), manga, gema de ovo salgada com soja e chá de tapioca com taro. É embrulhado numa capa impressa com um pequeno poema elaborado por um poeta escolhido para o efeito, a fim de melhorar a qualidade da embalagem. A caixa do produto também contém uma nota com um poema de amor, o que é adequado para os consumidores tirarem fotos e as publicarem nas redes sociais. Outro exemplo é a loja de chocolates Eyecon Shop, em Tóquio; usando o conceito de “literatura de recitação” e imprimindo os poemas de Shuntaro Tanikawa sobre os chocolates, as pessoas podem desfrutar verdadeiramente de uma iguaria e de um belo poema ao mesmo tempo, tornando-se o produto, consequentemente, um êxito de venda popular.

 

Outro tipo da colaboração cruzada entre a literatura e as bebidas é uma colaboração interactiva, dando um maior destaque às pessoas comuns. Por exemplo, a Literature Tea, em Taiwan, que lançou, anos atrás, a “Colecção de poemas de amor”, imprimindo os poemas vencedores nas embalagens das bebidas. Um outro exemplo é o bar Hoyaken, na cidade japonesa de Matsuyama, onde os clientes podem experimentar um cocktail especial inspirado no seu próprio haiku ao deixarem o seu original no bar e ao pagarem 900 ienes.

 

Outra operação comum de colaboração de marcas é a combinação do conceito de poesia com os lugares distantes como destinos de viagem onde o hostel usa, devidamente autorizado, poemas como forma de decoração para chamar a atenção dos viajantes, o que é muito mais barato do que comprar obras de arte para fins decorativos. Por exemplo, o projecto “Adeus e Sal”, do Hotel Royal Chiao Hsi em Taiwan, convidou 12 poetas a escreverem poemas que foram depois utilizados para se realizar uma exposição de poesia, lançar uma chamada online para apresentação de poemas e fazer os quartos normais serem audiovisuais e poéticos. Deste modo, uma combinação de literatura e viagens acrescenta um significado poético ao hotel tradicional.

 

Há um precedente para a colaboração da literatura de Macau com outras marcas de literatura. Por exemplo, a Associação de Escritores de Macau colaborou com a Words Without Borders, uma famosa revista literária online dos Estados Unidos, para lançar uma edição especial em inglês, designada por “Literatura de Macau”. A Associação de Escritores de Macau e a revista literária Form de Hong Kong, bem como o website P-articles, lançaram, em conjunto, uma edição especial de “Tempo de Macau”, que está anexada como oferta gratuita à revista de estilo de vida City Magazine de Hong Kong, e que também pode ser vendida separadamente. O lançamento desta revista chamou a atenção do público.

 

Até agora, a colaboração da literatura de Macau com os diferentes sectores tem sido maioritariamente iniciada por autores, e, por outro lado, esta chamada colaboração é sobretudo uma questão de complementar recursos em vez de multiplicar valores. Mesmo que existam organizações dispostas a cooperar, a sua disponibilidade limita-se a “fornecer os canais de exposição de forma gratuita”, e raramente manifestam a vontade de assumir a responsabilidade pelas operações de mercado, tais como o pagamento do licenciamento ou da encomenda de obras criativas.

 

A colaboração de marcas é, sem dúvida, uma forma assertiva de construir rapidamente uma tendência e gerar tráfego de visualizações, mas será que a literatura de Macau, que já é sub-reconhecida, tem de confiar na colaboração gratuita com as marcas de diferentes sectores para ser vista pelo público?” Na época em que estamos, os tráfegos desempenham um papel predominante, exigem uma competência drástica ao mercado e deixam diferentes setores em tal pressão e pânico que nem conseguem fazer a escolha correcta. Então, estará o sucesso naquilo que Hong Kong tem feito, isto é, uma colaboração com marcas de detergentes para criar a “literatura de lavagem?”

 

Usar a literatura como uma forma de embalagem tem a vantagem de ter um custo baixo, ser fácil de usar, e poder elevar, instantaneamente, a qualidade do produto. Existem dois paradoxos na colaboração da literatura com outros sectores. Por um lado, o processo de secularização, no sentido de ser contra a sua natureza puramente literária. Isso vê-se, por exemplo, na tentativa de esbater as fronteiras entre literatura pura, literatura popular, literatura comercial e até literatura do dia-a-dia. Por outro lado, a sua raridade. Se não se puder surpreender as pessoas, por exemplo, com a ilusão de uma rara oportunidade de comprar uma e obter duas, tal colaboração de marcas é um fracasso. Numa altura em que tudo pode ser tornado cultural e criativo, se as operações de co-marcas quiserem atingir o efeito de 1+1>2, deve ser dada igual ênfase à embalagem, ao conteúdo, à qualidade e à surpresa.

 

Se tratarmos a literatura como um tipo de tempero, e acrescentarmos um pouco dele quando o conteúdo for aborrecido, cansar-nos-emos dela ao fim de algum tempo. Não acredita em mim? Pense nisso, quem liga hoje em dia aos bolinhos da sorte dos restaurantes de Chinatown?

 

Associação de Escritores de Macau X Form (Hong Kong) apresentam, em conjunto, uma edição especial de “Literatura de Macau”
Associação de Escritores de Macau X Form (Hong Kong) apresentam, em conjunto, uma edição especial de “Literatura de Macau”

 

Leitura complementar:
Associação de Escritores de Macau X Words Without Borders (EUA)
www.wordswithoutborders.org/issue/august-2018-macau


Associação de Escritores de Macau X P-articles (Hong Kong)
p-articles.com/works/1850.html

 

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