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Abc da curadoria

01/03/2021

Falei recentemente com um amigo curador sobre o que é uma boa curadoria. Este não é um tema novo e tem sido discutido por inúmeras pessoas, mas ainda é raro abordar-se em Macau. Algumas pessoas dizem que uma boa curadoria deve consistir em deixar as obras falarem por si próprias, e que o curador deve estar numa posição em que não seja visível pelo público; que deve ter suficiente compreensão da história e das obras de arte, sendo sensível aos tempos e à vida, com uma visão de futuro, e ter uma base de investigação académica para fazer uma boa exposição. Outras dizem que a curadoria deve ser usada como um meio de criação das obras; outras, ainda, dizem que os curadores devem ter ligações sociais suficientes, de preferência com as pessoas com dinheiro e de estatuto social elevado, para que o valor das suas obras possa ser aumentado de forma mais eficaz. Há quem diga que a curadoria é sobre comunicação, que os curadores são contadores de histórias, e que devem ser capazes de contar uma história de uma forma apelativa e comovente; que os curadores devem, também, compreender o design espacial e a exibição, e ser capazes de antever o efeito da apresentação da exposição e a experiência do público. Há quem também diga que os curadores devem ter poder administrativo; é verdade que numa organização ou associação, os curadores precisam de ter competências administrativas e organizacionais, caso contrário, ser-lhes-á difícil obterem os recursos ideais e fazerem as coisas de uma forma organizada.

 

Ou talvez todas as abordagens acima referidas sejam verdade, por isso não é fácil ser um curador responsável. Tendo em conta os meus trabalhos antecedentes, gostaria de falar sobre o assunto da perspectiva do marketing. Em primeiro lugar, fazer uma curadoria de uma exposição, ou de qualquer evento, tem um determinado propósito. Porém, algumas pessoas podem argumentar que é demasiado vulgar fazer este tipo de trabalho a partir de um propósito. Mas a curadoria é, de facto, um acto intrinsecamente intencional, ainda que alguns curadores também possam ser artistas. Por exemplo, Marcel Duchamp colocou um urinol na sala de exposições para fazer as pessoas reflectirem sobre o que é a arte; ou a arte da performance nua de vanguarda de Yayoi Kusama, com o tema Happening, nas ruas de Nova Iorque nos anos 60, que levantou as questões da anti-guerra e do regresso à própria humanidade. Estes actos não são apenas obras de arte, são também actos curatoriais com o objectivo de obter repercussões sociais. Portanto, seja qual for o foco da exposição, é difícil evitar pensar numa série de questões orientadas para o mercado, tais como “o objectivo do projecto”: vender os quadros? obter o número certo de visitantes? chamar a atenção e discutir uma questão? aumentar a exposição e a sensibilização do público?; o “posicionamento”: pode ser a organização da exposição, ou do projecto do evento, ou dos próprios artistas e o estilo das suas obras; o “público”: o público é académico? são profissionais da indústria? são crianças? ou é  público em geral? Estes tópicos frequentemente abordados, embora sejam aparentemente clichés, são as pedras angulares para construir qualquer tipo de exposição curatorial, e estão também intimamente relacionados com a forma, o meio de comunicação, o tom e a disposição do conteúdo curatorial.

 

Se uma instituição académica, a Disney e uma marca de moda organizassem uma exposição relacionada com “dinossauros”, qual seria o pensamento do curador e a sua abordagem aos detalhes curatoriais? O objectivo da instituição académica poderia ser apresentar os dinossauros sob a forma de uma exposição de natureza profissional e académica, com um público-alvo com um certo nível de conhecimento em ciência e arqueologia; a exposição da Disney poderia ser concebida para criar um destino de entretenimento e continuidade de mercado das IPs de animação, a fim de gerar receitas de retalho, com um posicionamento de criação de um lugar de diversão e com um público-alvo principalmente de clientes familiares; e a marca de moda seria concebida para construir o valor de marca e o capital cultural, tendo por finalidade que isso depois se transformasse em vendas. Partindo do pressuposto de que o posicionamento da marca é de alto padrão, o público-alvo é o grupo que procura uma vida luxuosa e tem poder de compra. Com base em tudo isso, a mentalidade de planeamento curatorial será capaz de direccionar com maior precisão os recursos para o alvo certo, ao mesmo tempo que constrói a narrativa, a interacção e a apresentação de conteúdos apropriados, a fim de estabelecer uma comunicação eficaz com o público-alvo.

 

Algumas pessoas estão agora a sugerir que um restaurante possa ser aberto com uma mentalidade curatorial, para criar uma solução integrada de decoração, menu, estilo serviços, experiência de clientes, etc. Esta abordagem curatorial agressiva não está provavelmente longe da mentalidade do planeamento de marcas. Mas, pensando melhor, por que é preciso fazer a curadoria? A visão de uma acção que leva algumas pessoas a pensar, e depois a influenciar outras a trazer uma pequena mudança à sociedade é um dos pontos importantes e interessantes do mesmo, pelo que a consciência curatorial, o público e a continuidade social no seu conjunto são outras questões que merecem mais reflexão e discussão.

 

Se uma instituição académica, a Disney e uma marca de moda organizassem uma exposição relacionada com “dinossauros”, qual seria o pensamento do curador e a sua abordagem aos detalhes curatoriais?
Se uma instituição académica, a Disney e uma marca de moda organizassem uma exposição relacionada com “dinossauros”, qual seria o pensamento do curador e a sua abordagem aos detalhes curatoriais?

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