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Por detrás da câmara é que estão os protagonistas da fotografia: a fotografia privada

01/03/2021

Yumi Adachi é conhecida do público desde os seus 12 anos de idade, mas raramente tem sido vista nesta posição. A meio do dia, ela estava deitada no sofá de barriga para cima, com uma t-shirt desbotada, os seus mamilos levemente visíveis por baixo, e a dormir com uma banana entre as virilhas. É raro vê-la num ambiente tão desestruturado e quotidiano—uma almofada de sofá esmagada, alguns cadernos e revistas empilhados aleatoriamente, uma chávena usada e uma caixa de lenços de papel da marca Guinness, rodeada de diversos artigos, concentrada a mordiscar um lanche que segurava na mão. Estas fotografias aparentemente espontâneas estão incluídas no álbum Eu Eu do seu marido e fotógrafo, Tomoki Kuwajima.

 

O álbum fotográfico Eu Eu parece ser um guia melhor para levar os leitores à vida privada de Yumi Adachi do que propriamente o álbum Vida Privada, que foi quando ela e o seu marido se conheceram pela primeira vez. As fotografias foram tiradas por Kuwajima de 13 de Novembro de 2015, data do seu aniversário de casamento, a 15 de Agosto de 2019. Todas elas foram cenas que Kuwajima captou no meio da vida quotidiana dos dois. Kuwajima diz que ele e Adachi têm um acordo, que não importa qual seja a situação, não impedirão as fotografias em curso, mesmo que a outra pessoa esteja a chorar ou zangada. Sempre que ele é tocado pela cena, não consegue deixar de pressionar o obturador da câmara. Descreve-o como um acto natural, tal como colher uma bela flor ao encontrá-la.

 

Kuwajima fotografou muitas actrizes em retratos sensuais, mas Adachi é a mais atraente para ele porque, na sua opinião, ela é vazia. Ele acredita que o vazio ajuda cada personagem a mergulhar no seu corpo, incluindo no seu. No processo de fotografia, foi como se se visse a si próprio. Por exemplo, olhando novamente para as fotografias, estas foram tiradas antes de Adachi dar à luz, em que os movimentos foram bastante deliberados, mas após o nascimento do bebé, parecem mais suaves e relaxados. Não só porque a própria Adachi estava mais estável emocionalmente e satisfeita, mas também, no seu entender, porque ele tinha mais confiança masculina e já não precisava de dominar a pessoa fotografada para determinar o seu próprio poder em fotografar.

 

As fotografias no Eu Eu mostram um lado de Yumi Adachi que não é bem conhecido pelo público, e os fãs expressaram o seu apoio, mas também houve vozes que disseram que a presença de Adachi era demasiado fraca, e que não sabiam se a personagem principal neste álbum fotográfico era ela ou Kuwajima. Este comentário aparentemente negativo ilustra o aspecto interessante sobre este álbum fotográfico—a pessoa a ser fotografada não é necessariamente a protagonista da fotografia.

 

O termo “fotografia privada” foi introduzido pelo famoso fotógrafo japonês Araki Nobuyoshi no seu livro Palavras sobre Álbuns Fotográficos, tal como “ficção privada”, dado que ambos se baseiam na vida privada dos autores. No âmbito da arte tradicional, estas histórias e imagens podem ser insignificantes, todavia, são delicadas e profundas na perspetiva dos sentimentos.

 

Em 1964, Araki Nobuyoshi publicou uma série de fotografias de crianças nas ruas da cidade velha, “Ako” (nome original:さっちん), o que lhe valeu um prémio de fotografia. Recordou que a razão pela qual fotografou estas crianças foi porque se via nelas ele próprio enquanto criança. Essas crianças brincavam nos apartamentos abandonados antes da guerra, correndo o dia inteiro. “Se ele parasse, parecia haver um sentimento de solidão. Vi-me nele como uma criança […]”, diz Nobuyoshi no seu livro Palavras sobre Álbuns Fotográficos.

 

Mais tarde, publicou o seu primeiro álbum fotográfico intitulado “Jornada Sentimental” (nome original: センチメンタルな旅), no qual fotografou a sua esposa Yōko Aoki, e a sua segunda série foi “Jornada Sentimental.Jornada de Inverno” (nome original: センチメンタルな旅.冬の旅), após a morte de Yōko. Nestes dois álbuns, podemos não só ver a nudez de Yōko na sua vida quotidiana, mas também sentir profundamente a solidão e a tristeza de Araki. As fotografias mostram Yōko de uma perspectiva visual e também reflectem os sentimentos de Araki. Tanto o fotógrafo como a pessoa fotografada são, neste caso, os protagonistas das fotografias.

 

Parece que Kuwajima está ainda um pouco desconfiado da sua própria técnica em fotografar Adachi, tanto que chorou debaixo dos lençóis quando leu os louvores do fotógrafo Itaru Hirama às suas fotografias. Penso que Kuwajima está demasiado preocupado, tendo em vista que Araki, muito antes de ele tirar as fotografias de Adachi, já lhe tinha afirmado: “A fotografia consiste em tirar fotografias daquilo que mais se ama, aquilo com que se tem mais intimidade, aquilo que está mesmo ao seu lado. Em suma, é fotografar os seres humanos. É “você” que tira as fotografias, mas as fotografias não podem ser separadas de “você”.

 

Yumi Adachi no Eu Eu, fotografada por Tomoki Kuwajima
Yumi Adachi no Eu Eu, fotografada por Tomoki Kuwajima

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